Não queime por nós, Amazônia

É difícil entender que o fogo que queima e dilacera teu corpo perfeito arde em minha alma, lançando tuas cinzas no meu destino. É difícil compreendê-la, diante de tua magnitude intocada e dos mistérios que ainda guardas, como mãe gentil. Não quero viver, sufocado, nas cinzas da tua destruição. Te necessito plena para deitar em teu berço esplêndido e respirar, apenas respirar sob o Sol contigo. Hoje, 5 de setembro, a poucos dias de uma nova Primavera, te dedicamos nosso respeito e rogamos por tua proteção. Não chores por nós, Amazônia. Nos perdoe. Resiste e mostra a tua força.

Não és apenas a nossa maior floresta, tampouco o teu valor se resume aos benefícios que nos proporcionas, mesmo de longe, sem que, em muitos casos, tenhamos sequer consciência da tua incomensurável importância. Hoje é teu dia no calendário, Amazônia. Vamos reverenciá-la! Mas não esqueceremos que esta data não é mais do que uma mera formalidade que precisa servir, ao menos, para lembrar que te necessitamos preservada nos 365 dias de todos os anos.

Hoje é um dia dedicado a ti, um dia para agradecer e pedir o teu perdão. Pedir perdão, também, aos teus guardiões por não estarmos conseguindo salvá-los. Estamos te destruindo, Amazônia! De forma consciente, estamos aniquilando teus protetores, teus índios, tua biodiversidade. Junto a isso tudo, estamos nos matando. Mas a estação da vida está chegando, e, com ela, vem a esperança renovada de uma nova consciência, união e atitude. Não estamos sós. Somos muitas Gretas, Dorothys, Evas, Leóns, Chicos, Franciscos, Raonis, Lutzenbergers. Somos Marias e somos Joãos. Podemos, ainda, fazendo uso da inteligência que nos é possível, escolher o melhor caminho, aquele que não ruma à destruição.

Na letra adaptada do compositor de Santa Fé, eu só peço a Deus que o sistema não nos seja indiferente. O fogo é um monstro grande e queima forte toda a inocência de nossa gente. Que nossas nações se irmanem em defesa da nossa casa comum. Que nossa floresta mãe não queime por nós.

Porque brasileiros choram

Não é só pela pobreza, pela exploração ou pela fome que o povo brasileiro chora atualmente. Essas são algumas mazelas antigas, já introjetadas na cultura de miséria a que estão submetidos milhões de homens, mulheres e crianças no Brasil. A  pobreza apenas não é mais suficiente para fazer chorar os mais de 50 milhões de habitantes de uma das dez maiores potências econômicas do mundo que sobrevivem com quase nada. Oprimidos abaixo da linha da pobreza, os que estão na base da pirâmide socioeconômica sofrem diante das injustiças impostas por uma lógica social maligna, que favorece os mais ricos. Outra parcela da população, localizada logo acima nessa pirâmide, mas ainda em situação desconfortável, é esmagada por um sistema tributário perverso, que também privilegia os mais abastados.

Todos sabemos da origem colonial do Brasil, mas parece que poucos percebem que os brasileiros ainda estão submetidos a uma lógica pseudo democrática na qual os mais pobres ainda são explorados pelos mais ricos. É um tipo de neocolonialismo exploratório nacionalizado. Os recursos naturais e a mão de obra são fartos por aqui, mas os meios de produção e o poder de influência estão nas mãos de poucos. Esses dois últimos fatores se retroalimentam e crescem em progressão geométrica. Quanto mais poder econômico, mais força política. O resultado é que o sistema de representação parlamentar, também roteirizado pela elite econômica, privilegia projetos de interesse dos ricos, tornando-se uma gigantesca bola de neve a esmagar a classe pobre. É um modelo legalizado de corrupção social lubrificado com vaselina e embalado em papel dourado.

No Brasil, quanto maior a fortuna, menor a incidência de impostos. Enquanto os 10% mais ricos são taxados em apenas 21%, os 10% mais pobres comprometem mais de 32% da renda para subsidiar programas sociais que ainda estão aquém das necessidades. Esses dados, entre outros, têm sido apresentados por entidades representativas de funcionários do alto escalão dos fiscos estaduais e federal do Brasil que lançaram o movimento em defesa de uma Reforma Tributária Solidária. São os próprios auditores-fiscais que identificam que “o sistema tributário brasileiro agrava as desigualdades porque protege a renda e o patrimônio dos muito ricos.” Esse fato é muito chocante, pois, além de ampliar a desigualdade social, ajuda a aniquilar com o pouco de esperança que ainda resta ao povo brasileiro, que já é atingido fortemente pelos efeitos nefastos da corrupção que assola o país.

Os brasileiros choram porque falta decência no país, falta respeito com o patrimônio público, solidariedade e amor ao próximo. Isso abala o sentimento de esperança. Os filhos do Brasil choram porque estão cansados de lutar contra a ganância, o individualismo e as mentiras políticas e comerciais despejadas sobre a população. Trata-se de uma herança cultural hedionda baseada na exploração dos pobres, dos que não têm sequer o suficiente para sustentar uma alimentação simples, uma casa decente e, muito menos, manter os filhos na escola. É por essa série de fatores, entre outros não menos dramáticos, que muitos brasileiros choram hoje.

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